Viver sem esforço é fazer as coisas com leveza, com prazer e nutrir-se de cada experiência que a vida traz. Normalmente, é assim que o aviador encara a sua profissão porque ele adora o que faz e nutre-se de conhecimento e experiência a cada decolagem, manobra ou pouso realizado. E quanto mais voam mais maduros, seguros e tranquilos se tornam, mais desejosos de voar ficam, mais voam e fecham um ciclo virtuoso que se retroalimenta.
É por isso que todos os pilotos que conheço amam voar e o melhor de tudo: são remunerados por isso, tendo o salário atrelado à quantidade de horas voadas no mês.
Entretanto, nem tudo são flores na vida dos homens do ar, eles se tencionam com as bruscas variações climáticas, umas emergências de vez em quando e as crises financeiras, pois os pilotos são um dos primeiros a sofrer com as pioras no cenário econômico.
Assim, quando nuvens negras se formam sobre a economia do país, os profissionais da aviação, especialmente os da aviação executiva e os pilotos de helicóptero, ficam sob forte ameaça de voar pouco (e receber pouco) ou até mesmo sob o risco de desemprego, pois a indústria da aviação está intimamente atrelada ao desempenho da economia em qualquer lugar do mundo.
E como o aviador deve agir com suas finanças nesse cenário? A resposta parece óbvia: como todo os outros profissionais, gastar menos do que se ganha. Mas enxugar ou diminuir gastos e baixar o padrão de vida é, para todos, muito chato, sofrido e por vezes difícil, especialmente quando há familiares envolvidos.
E porque é assim? O inconsciente deseja sempre o prazer, o alívio e a satisfação de qualquer necessidade. Ele decididamente não quer o sofrimento. Por isso, quando alguém decide fazer um regime alimentar ou financeiro, isto é, ficar em estado de privação, o inconsciente vai encontrar, instintivamente, uma compensação. Observe aqueles que fazem dieta para emagrecer e logo começam a fumar mais ou a gastar mais. Quem começa a fazer economia, em determinado momento, perde o “controle” e, às vezes, gasta em um dia, tudo o que juntou em três meses.
Logo, as mudanças mais profundas não são feitas pela via do esforço, mas pelo empenho, pela dedicação e, principalmente, sem esgotamento. Não são feitas racionalmente, mas de modo vivencial (racional e emocional juntos). Perceba que é idêntico ao processo que os aviadores passam para aprender a voar. Este é o caminho para lidar com as finanças em tempos de crise. Um caminho conhecido. E para percorrê-lo, sugiro seguir cinco passos.
O primeiro é ter conhecimento financeiro (consciente) para fazer escolhas diferentes, oportunas e corretas. Contudo, isso só não basta! Se assim fosse, não teríamos médicos fumantes, nem economistas endividados.
O segundo é olhar para as questões emocionais (inconscientes) que podem impedir a tomada de decisão, o processo de mudança de atitude e a manutenção dos novos hábitos e planos.
A união desses dois passos sugere uma vivência e uma assimilação das informações para a correta tomada de decisão financeira. Deste modo as ações de enxugamento de gastos serão conscientes e permanentes, tais como as elaborações dos dados que os leva a voar com segurança.
O terceiro passo é construir um orçamento, definindo o que será feito com o seu salário, antes de recebê-lo, como um planejamento de voo. É necessário detalhá-lo com todas as despesas que se conseguir prever: as despesas futuras, aquelas que poucos lembram pois não aprecem mensamente, apenas de tempos em tempos, mas cujas faturas já se encontram em seu nome, e fazer uma provisão para pagá-las; as despesas mensais, aquelas que tem datas para pagar e que, se não forem honradas, haverá juros, multas e cortes de serviços; e finalmente as despesas do dia a dia, aquelas que não tem datas nem valores definidos para o gasto, dependendo única e exclusivamente de você.
O quarto passo é cumprir o planejamento de voo traçado, exatamente como você faz ao voar de um ponto a outro, verificando a todo momento a rota, o tempo, a altitude, a autonomia, etc. É bem diferente de apenas anotar os gastos para somar tudo ao final do mês. Isso de nada adianta, pois você já gastou e nada mais há o que fazer. A tarefa é “navegar”, dia após dia, o seu orçamento, para checar, constantemente, se você terá autonomia para chegar e se está na rota do seu destino: o final do mês. Neste trabalho, você terá, ou não, a necessidade de fazer desvios, reduzir a velocidade ou acelerar, reduzir ou aumentar a altitude, dependendo, claro, dos acontecimentos no caminho. Exatamente como no seu voo: comparar continuamente o que você planejou com o que você está executando.
O quinto passo é “destralhar-se”. Carregar pouca coisa ao longo da vida, como a sua mala de voo, simples, leve e fácil de carregar. A vida é como uma caminhada do berço ao túmulo. Portanto, pense: como você gostaria de fazer esta caminhada, com dez malas sem alça ou com uma mochila? Preferiu a mochila, pois com ela você tornará a caminhada mais leve e poderá apreciar a paisagem. Agora olhe à sua volta, quantas malas sem alça você carrega? É fácil responder: pense naquelas coisas que você tem e que não usou nos últimos 12 meses. Provavelmente, se não usou não vai usar mais! Pode ser desde a roupa que está esperando você emagrecer ou engordar, até aquele cômodo da sua casa que você não abre nunca e que te ajuda a juntar mais tralhas. Livre-se delas, troque, venda, doe, jogue fora. Livre-se de tudo aquilo que torna a sua vida pesada e o tenciona financeiramente, estando, ou não, o prazer e os ganhos do voo em alta.
Mas, se neste caminho, tempestades fortes te impedirem de voar, junte todo o seu conhecimento e a experiência adquirida por você e também por sua família e una a seus talentos e busquem vivenciar experiências novas: consertar, cuidar, ensinar, cozinhar, projetar, criar, vender, cantar, contar, escrever, cortar, ajudar, investir, estudar, pentear, defender, etc… Pergunte-se: que outro verbo sei conjugar além do voar? Tenho certeza que você encontrará muitos. Mas se você se limitar pensando sobre o que os outros irão falar, só tenho um conselho: deixe os outros para lá e divirta-se, exatamente como você se diverte ao voar. Boa sorte.
Autor: Rogério Olegário do Carmo, consultor financeiro pessoal e aviador com mais de 12 mil horas de voo